Uma das grandes preocupações de quando perdemos alguém querido, para além das questões burocráticas relativas ao inventário, é como ficará a situação financeira, especialmente quando se trata de herdeiros que dependiam financeiramente da pessoa falecida.
Infelizmente, é comum vermos herdeiros fragilizados com a partida da pessoa querida, pois mesmo diante do recebimento de herança, esta pode não ser suficiente para garantir sua sobrevivência.
Pensando nisso, o legislador instituiu o chamado direito real de habitação para proteger o viúvo (a) da pessoa falecida, tema do texto de hoje.
O QUE É O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO?
O direito real de habitação é um mecanismo criado pelo legislador para proteger o cônjuge sobrevivente, e está previsto no art. 1.831 do Código Civil, prevendo que "Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar."
Este direito permite que o cônjuge ou o companheiro sobrevivente possa continuar morando no imóvel onde o casal residia, a título gratuito e de caráter vitalício, ou seja, até a sua morte. Vale destacar que aqui não existe restrição do regime de bens: qualquer que tenha sido o regime de bens do casamento com a pessoa falecida, o cônjuge sobrevivente terá direito.
Outro ponto que deve ser observado sobre o direito real de habitação é se na abertura da sucessão (a morte do titular da herança) o cônjuge sobrevivente estava ou não separado de fato há mais de dois anos, pois se estiver, não será herdeiro.
Consequentemente, existem alguns fatores que devem ser observados sobre o direito real de habitação:
É um uso exclusivo para moradia, ou seja, a pessoa que ali reside não vai poder alugar ou emprestar, mas tão somente ocupar aquele imóvel;
O imóvel deixado deve ser o único que era direcionado para a finalidade residencial. Mas caso exista mais de um bem residencial, a doutrina majoritária se firma na possibilidade de conceder o direito real de habitação a ser aplicado ao imóvel de menor valor
Os demais herdeiros terão direito tão somente ao usufruto do bem
Contudo, a concretização do direito real de habitação tem sido alvo de críticas, especialmente quando existem outros herdeiros envolvidos, como se verá a seguir.
O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO SEMPRE SERÁ APLICADO?
O direito real de habitação, para além de se apoiar na solidariedade familiar, também serve para proporcionar o direito à moradia previsto na Constituição Federal, que é o texto normativo que serve de "bússola" para as demais leis, ou seja, se deve sempre realizar uma interpretação e aplicação da lei em harmonia com os princípios e garantias constitucionais.
Por isso mesmo é que existem situações muito específicas onde este direito real de habitação não será concedido, especialmente quando o titular do direito tiver condições financeiras de custear a sua própria moradia e se o herdeiro do falecido, for, por exemplo, pessoa idosa, criança, ou pessoa com deficiência.
Este direito, portanto, não é absoluto, ou melhor dizendo, não será sempre concedido, a depender do contexto em que estiver sendo discutido.
Inclusive, por se tratar de direito patrimonial, o cônjuge sobrevivente pode renunciar ao direito real de habitação, como bem entendeu o Enunciado 271 da III Jornada de Direito Civil (CJF-STJ): "O cônjuge pode renunciar ao direito real de habitação, nos autos do inventário ou por escritura pública, sem prejuízo de sua participação na herança."
O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO E A REFORMA DO CÓDIGO CIVIL.
Não se poderia deixar de abordar o assunto do momento entre a comunidade jurídica, com destaque para os civilistas: a Reforma do Código Civil de 2002, que teve seu anteprojeto apresentado pela Comissão no dia 17/04/2024 ao Senado Federal.
Diversas alterações relevantes para o campo do Direito das Famílias e Sucessões foram propostas, e, dentre elas, está o direito real de habitação, que será mantido no Código Civil caso o anteprojeto seja aprovado pelo Congresso, mas há uma novidade que pode se tornar realidade no futuro: o compartilhamento do direito real de habitação com os descendentes incapazes ou com deficiência, bem como ascendentes vulneráveis da pessoa falecida, já deixando previsto na lei o que, hoje já é uma possibilidade em virtude da interpretação conforme a Carta Magna. Além disso, também se propôs a interrupção deste direito "quando qualquer um dos titulares do direito à habitação tiver renda ou patrimônio suficiente para manter sua respectiva moradia, ou quando constituir nova família."
Obviamente, são pontos que ainda não são realidade jurídica, uma vez que o anteprojeto precisa passar por votação, sendo que é possível que alterações, exclusões e acréscimos sejam feitos.
O que se pode aprender com este instituto é que não é absoluto, pois é para o contexto no qual o cônjuge sobrevivente e os herdeiros do falecido estão inseridos que se deve olhar.
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