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Um pai pode deserdar seu filho?

Atualizado: 26 de nov. de 2024

Nos filmes americanos, é comum acompanharmos o enredo de um pai de alguma família muito rica que acaba por deserdar um de seus filhos, ou, ainda, deixar tudo apenas para um deles. Isto acontece porque nos Estados Unidos não existe o que aqui no Brasil chamamos de legítima, que é a metade do patrimônio daquele titular que é reservada aos seus herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge). 


Nos EUA, por não haver a limitação ao patrimônio de seu titular, este pode fazer o que bem entender através do instrumento do testamento, o qual, por sua vez, encontra sua limitação, no Brasil, através da existência ou não de herdeiros necessários. A regra é muito simples: se o titular do patrimônio possui herdeiros necessários, só vai poder dispor em testamento da metade dos seus bens, porque a outra metade é destinada aos seus ascendentes, descendentes e cônjuge. 


Acontece que existem ocasiões em que um ou mais herdeiros do falecido poderão ser privados de ter acesso à herança através do instituto da deserdação e é isto que você irá entender hoje!



Antes de mais nada, é preciso entender como funciona a sucessão brasileira, que admite duas formas: a sucessão legal e a sucessão testamentária. A sucessão legal abrange a sucessão legítima, que é a ordem de vocação hereditária, e a sucessão anômala, que são casos específicos previstos em lei onde não será seguida a ordem da sucessão legítima. 


A sucessão testamentária, por sua vez, é aquela que se funda na autonomia privada, podendo o testador designar um ou mais bens para os chamados herdeiros testamentários. Acontece que essa autonomia privada não é absoluta, pois encontra limite no que se chama de porção legítima, que é a metade dos bens do testador que deve ser direcionada para seus herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge), caso existam. Não possuindo o testador herdeiros necessários, está permitido dispor da totalidade do seu patrimônio. 


É importante destacar que a sucessão legítima é supletiva, ou seja, somente será aplicada quando a pessoa falecida não tiver deixado testamento, e, se deixou, este tornou-se caduco ou foi julgado nulo. 


A sucessão legítima possui a seguinte ordem, conforme previsão do art. 1.829 do Código Civil: 


I) os descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II) aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III) ao cônjuge sobrevivente;

IV) aos colaterais.


Contudo, em que pese os ascendentes, descendentes e cônjuge sejam herdeiros necessários em virtude da presunção de afetividade e proximidade que o falecido supostamente nutria por estas figuras, existem duas ocasiões em que poderão ser excluídos da sucessão, ou seja, em que não irão receber a herança que lhes cabe: seja através das causas de indignidade, como também das hipóteses de deserdação. 



  1. DA EXCLUSÃO DA SUCESSÃO POR INDIGNIDADE 

As causas de indignidade, em linhas gerais, estão conectadas aos atos praticados pelos herdeiros ou legatários que venham a atentar contra a vida, honra e liberdade de testar do autor da herança ou de seus ascendentes, descendentes e cônjuge, ou companheiro. 


Nos dizeres do sempre louvável professor Luiz Paulo Vieira de Carvalho, “Em outras palavras, é a sanção civil por força da qual se exclui uma pessoa do benefício sucessório de outra a quem sucedera, por haver incorrido em algumas das graves causas tipificadas pela lei.


São as seguintes as situações onde o herdeiro ou legatário será excluído da sucessão: 


I) que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;

II) que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;

III) que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade.


A exclusão por indignidade se dá através de sentença, ou seja, é preciso que um dos interessados em promover este ato ingresse com a ação pertinente, possuindo este interessado o prazo de 4 anos, contado a partir da data do falecimento do autor da herança.  


Com a recente Lei 14.661/2023, houve uma feliz alteração na exclusão por indignidade: a mesma não mais vai precisar esperar a sentença civil, pois será suficiente o trânsito em julgado da sentença penal condenatória para determinar a imediata exclusão do herdeiro ou legatário indigno. 


Em relação aos efeitos da sentença da exclusão por indignidade, é importante chamar atenção para o fato de que serão pessoais, ou seja, dizem respeito tão somente àquele que praticou os atos repudiados previamente descritos, de maneira que os descendentes deste herdeiro excluído irão suceder em seu lugar, passando a serem herdeiros do quinhão que iria caber ao indigno. 


Uma consequência interessante é que o indigno não terá direito à administração ou usufruto dos bens de seus descendentes que lhe sucederam, e tão pouco terá direito à sucessão destes mesmos bens. Com isto, é essencial destacar que caso os descendentes sejam ainda menores de idade, que seja nomeado curador adequado para administrar os bens em seu lugar, até que atinjam a maioridade, o que pode ser feito também através de testamento.  


Outro efeito relevante da exclusão por indignidade é que a sentença declaratória irá operar de forma retroativa à data do falecimento do autor da herança, fazendo com que o indigno tenha que devolver os frutos e rendimentos que dos bens da herança tiver recebido, mas tem direito a ser indenizado das despesas com a conservação destes mesmos bens. 


Mas existe, aqui, uma ressalva quanto a esta exclusão: é possível que este herdeiro que praticou o ato de indignidade, venha a ser reabilitado pelo ofendido, de maneira expressa, através de testamento. Essa reabilitação nada mais é que o perdão fornecido pela pessoa ofendida, sendo, portanto, um ato unilateral que possui como finalidade evitar que seja excluído da sucessão o herdeiro. 


Em relação a este perdão, alguns pontos devem ser esclarecidos. O primeiro diz respeito à sua irrevogabilidade. Por se tratar de ato personalíssimo e unilateral do ofendido, uma vez inserida a reabilitação, não será possível que seja proposta a ação de indignidade. 


Contudo, o segundo ponto reside justamente na exceção da revogação do perdão, isto, claro, quando estivermos diante das seguintes hipóteses: 1) declaração de inexistência de testamento, como acontece nos casos de falsificação; 2) nulidade do testamento em virtude da incapacidade do testador; 3) anulável por ter ocorrido algum vício de vontade para a constituição do testamento. 


Em terceiro lugar, há a previsão legal do perdão tácito, que se concretiza quando o testador, mesmo possuindo ciência do ato praticado pelo herdeiro indigno, realiza testamento a seu favor, fazendo com que este herdeiro tenha direito tão somente ao bem que lhe foi deixado através do testamento. 


Resumindo: para que haja a exclusão da sucessão através da indignidade, deve ter o herdeiro legítimo, testamentário ou legatário, ter praticado os atos que atentam contra a vida, honra, e liberdade de testar do autor da herança e de pessoas próximas a ele, e a exclusão deve ser declarada através de sentença. 



  1. POSSO SER DESERDADO? 

Já o instituto da deserdação, apesar de ser semelhante quanto à consequência (exclusão da sucessão), possui algumas diferenças. 


A deserdação, assim como a indignidade, possui atos específicos que precisam ser concretizados, mas há aqui uma diferença: é preciso que o autor da herança determine a deserdação através de testamento, apontando a sua causa. A deserdação, ao contrário da indignidade, é aplicada apenas aos herdeiros necessários (ascendentes, descendentes e cônjuge) nos seguintes casos: 


I)  ofensa física;

II)  injúria grave;

III)  relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;

IV) desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade; 

V) relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;

VI) desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade.


Mas não basta a declaração expressa do motivo da deserdação: é necessário, ainda, que haja a prova da sua veracidade através de sentença declaratória, ou seja, é necessário que o interessado ingresse com a ação, e este vai ter o prazo de 4 anos, contados a partir da abertura do testamento, para propor a ação. 


Um importante fator reside na possibilidade do testador, ainda em vida, ingressar com ação de produção de provas a fim de comprovar a causa que conduziu à determinação de deserdação em testamento, a fim de obter sentença declaratória, pois é interessado genuíno em comprovar a causa. 


Portanto, a conclusão a que se chega é óbvia: o autor da herança é proibido de privar seus descendentes de sua herança apenas porque deseja, pois existem situações específicas previstas em lei que justificam a deserdação como uma forma de exclusão da sucessão. 


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